25/08/2005 - A Infeliz Exigência da CND em Recuperações de Empresas
* escrito por
O tema ora proposto para análise e discussão é
de grande relevância no âmbito jurídico, especialmente para as empresas, que
com o advento desta nova lei tenderão, muitas delas, provavelmente, a sofrer um
processo falitário. Essa é a análise feita à primeira vista do conteúdo da nova
lei, que surge já, ao nosso ver, com alguns defeitos prejudiciais para a
viabilidade de recuperação das empresas em dificuldades.
Indiscutível a necessidade social de uma
alteração na lei de regência atual. Com o dinamismo do direito positivo pátrio,
e conseqüente evolução da sociedade, imperioso faz-se o sentido das
modificações no direito para que acompanhem o progresso social a favor do bem
comum.
Como é cediço, nenhuma lei atende, ao nascer,
todas as necessidades apresentadas pelo convívio em sociedade buscando evoluir.
Portanto, com o passar dos tempos, estas leis tendem a sofrer modificações para
adequar-se a estas necessidades, seja através de jurisprudência, alteração ou
mesmo desuso.
É, portanto, importante que todos atentem para
estas modificações sociais e busquem, o quanto antes, satisfazer aos interesses
da sociedade para o devido convívio em harmonia.
Assim, o foco principal a discutir-se através
deste estudo é a inviabilidade para as empresas em vias de recuperação,
apresentarem esta prova de quitação de débitos para com o Fisco, exigida no
artigo 57 da lei em análise.
Ora, uma vez que a empresa está em situação
econômico-financeira difícil, e projeta-se a elaborar um plano de recuperação
judicial, é porque não está conseguindo assumir as dívidas pactuadas com os
credores, e, conseqüentemente, com o Fisco. Importante salientar que essa
dificuldade por qual passam determinadas empresas, nem sempre decorrem de mau
administração ou mesmo de má-fé por parte de alguns, decorrendo, simplesmente,
por uma modificação acirrada ocorrida no mercado financeiro.
Portanto, as empresas que se encontram em tal
situação, com o passivo fiscal avantajado, dificilmente conseguirão arcar com
os seus débitos fiscais, ficando, desta feita, inviável a exigência da prova de
quitação dos débitos perante o Fisco.
Isto ocorre porque a empresa em dificuldades
prioriza, como é o lógico e mais pertinente a ser feito, o destino de seus
poucos proventos que ainda restam ao pagamento de seus empregados e
fornecedores. Esta prioridade dá-se em virtude de manter a empresa em
funcionamento.
Todos sabemos que uma empresa que não paga os
seus funcionários, quanto menos os seus fornecedores, jamais terá condições de
continuar as suas atividades. Por isto prioriza-se o deslocamento das verbas
restantes, em desfavor do Fisco.
Uma vez que a empresa em dificuldades se veja
obrigada a regularizar sua situação junto ao Fisco, perdendo, de acordo com a
nova Lei, após 180 dias, as máquinas e veículos financiados e tendo que arcar
com os adiantamentos feitos por contrato de câmbio – ACC, a exigência desta
prova de quitação trará imensa dificuldade, e, de certa maneira, inviabilidade,
de obter êxito no pleito de uma possível recuperação judicial.
Levando em consideração que a nova lei entrará
em vigor apenas no mês de junho do corrente ano, temos, ainda, um certo tempo
para pleitear essas modificações, tornando mais viável o objetivo desta lei.
Para constar, transcrevemos o artigo objeto
deste estudo, o artigo 57, vazado nos seguintes termos: “Após a juntada aos
autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo
previsto no artigo 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará
certidões negativas de débitos tributários nos termos dos artigos 151, 205, 206
da Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1996 – Código Tributário Nacional”.
Observamos que o artigo 151 mencionado no
artigo supra, trata das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito
tributário, quais sejam: I – a moratória; II – o depósito do seu montante
integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras
do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em
mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela
antecipada, em outras espécies de ação judicial; e VI – o parcelamento.
O último inciso, referente ao parcelamento, foi acrescentado pela Lei
Complementar n.º 104/2001, estando em vigor desde sua publicação em 11 de
janeiro de 2001, e, a nosso ver, nada mais é do que uma concessão de moratória,
por tratar-se de dilação de prazo para o pagamento.
Assim, em face das hipóteses de suspensão da
exigibilidade do crédito tributário, pode, o devedor, em pleito de recuperação
judicial, alegar quaisquer das hipóteses enumeradas para obter o benefício que,
diga-se de passagem, substitui a chamada concordata preventiva na atual lei
falimentar.
Importante destacar aqui que a concordata
prevista na atual lei de regência, vista como um favor legal ao devedor
empresário em dificuldades, perde este caráter quando do advento do instituto
da recuperação judicial, deixando de ser um favor e tornando-se um pedido
sujeito à aprovação dos credores.
No concernente às disposições contidas no
artigo 205 para a expedição da certidão negativa de débitos, deixamos de tecer
maiores comentários, frisando, apenas, que o parágrafo único deste artigo
dispõe que a certidão negativa de débito seja “fornecida dentro de dez dias
da data da entrada do requerimento na repartição”.
Questão que pode levantar dúvidas atine ao disposto no artigo 206, que trata da
certidão positiva de débitos, que em determinados casos tem efeitos de
negativa. São casos de existência de créditos ainda não vencidos, ou em curso
de cobrança executiva devidamente garantida (existência de penhora), ou mesmo
nos casos em que os créditos estejam com a exigibilidade suspensa, nos termos
do mencionado artigo 151.
É importante destacar que a certidão negativa
somente poderá ser recusada se houver crédito efetivamente constituído contra o
interessado. O simples descumprimento de obrigação tributária, principal ou
acessória, não enseja motivo suficiente para a autoridade competente recusar a
expedição, a menos que já tenha sido feito o lançamento do crédito
correspondente.
Nesta esteira, é importante salientar que, no
caso de certidão positiva com efeitos de negativa, havendo recusa de qualquer
autoridade em admitir a equiparação dos efeitos, ou mesmo a recusa em emitir ou
retardar a emissão da certidão negativa, ensejam a impetração de mandado de
segurança. Frise-se que a impetração de Mandado de Segurança vem se mostrando
meio constantemente utilizado para a obtenção destas certidões, com relativo
sucesso.
Importante lembrar que o ato de recusa da
certidão negativa sem que exista débito vencido pode ser entendido como uso de
meio ilegal para compelir o contribuinte ao pagamento do tributo, procedimento
temeroso em nosso direito positivo, podendo tal procedimento configurar o crime
de excesso de exação, previsto no parágrafo 1º do artigo 316 do Código Penal
brasileiro, com a redação dada pela Lei n.º 8.137/90, apenado com reclusão de
três a oito anos, e multa, conforme entendimento do professor Hugo de Brito
Machado, que também adotamos.
Ainda nas lições do eminente mestre “...a
afirmação da existência de débito, sendo inverídica, pode causar danos ao
contribuinte, moral e material, indenizáveis pela Administração, que poderá
agir regressivamente contra o servidor responsável pela ilegalidade, se este
atuou com culpa ou dolo. Neste caso pode também o contribuinte promover a ação
de indenização diretamente contra o agente público responsável pela ilegalidade.”
No que diz respeito à ação de consignação em
pagamento, a sua simples propositura não assegura desde logo o direito à
certidão negativa, pois se existir lançamento, e o contribuinte eventualmente
oferecer valor menor, entendendo estar o lançamento incorreto, somente com o
trânsito em julgado da sentença que julgar procedente o pedido do contribuinte,
autor da ação, estará extinto o crédito tributário, e, em conseqüência, somente
a partir daí terá ele direito à obtenção da certidão negativa.
Por necessário, transcrevemos disposição
constitucional que garante ao contribuinte o direito indisponível de obter
certidões em repartições públicas, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXIV – são a todos assegurados,
independentemente do pagamento de taxas:
a)...omissis...;
b) a obtenção de certidões em repartições
públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse
pessoal”.
Por fim, informamos que quando do “X Seminário
sobre a nova Lei de Recuperação e Falência”, organizado pelo IBRE, realizado em
05/04/2005, o Deputado Osvaldo Biolchi (relator da Lei) manifestou sua
contradição ao artigo 57 supra debatido, e avisou que está intentando um
projeto para revogar esta inviável exigência da nova Lei.
Devemos atentar para o fato e acompanhar o
desenvolvimento deste projeto e até dar forças para ele, viabilizando, assim, a
recuperação judicial das empresas em dificuldades, com a proeminente
necessidade de modificação nesta lei. (Este acompanhamento pode ser feito pela
Internet, no site www.camara.gov.br/osvaldobiolchi)
Não podemos esquecer, jamais, que diante das
modificações sociais ocorridas ao longo dos anos, com o conseqüente progresso
da humanidade, o ponto importante a ser analisado daqui pra frente será o
atendimento ao bem comum, e, num dos pontos ora debatidos, -a recuperação
judicial, como um todo-, a preservação da empresa, sua função social com o
devido estímulo à correta atividade econômico e a manutenção do emprego dos
trabalhadores.
Assim o é pelo objetivo último desta nova lei
em viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de
permitir a manutenção da fonte produtora de serviços e bens destinados ao
progresso e bem viver do ser humano.
* Taciano Fanti da
Silva Nunes.
Artigo publicado no jornal "Valor Econômico" do dia 25/08/2005, página E2.
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